1. Introdução
A responsabilidade dos administradores nas sociedades empresárias ocupa posição central no debate contemporâneo sobre governança e segurança jurídica. Com a ampliação das estruturas corporativas e a crescente intervenção judicial nas relações empresariais, tornou-se essencial distinguir o erro de gestão, inerente ao risco empresarial, do ato ilícito de administração, caracterizado por culpa, dolo ou violação de deveres fiduciários.
A autonomia patrimonial da pessoa jurídica — princípio estruturante do direito societário — não pode servir de escudo para abusos, mas tampouco deve ser dissolvida diante do insucesso legítimo da atividade econômica. O equilíbrio entre esses polos é o que hoje define a fronteira entre a liberdade empresarial e a responsabilidade civil.
2. A natureza da responsabilidade: obrigação de meio, não de resultado
O ordenamento jurídico brasileiro adota a responsabilidade subjetiva do administrador, baseada na violação dos deveres de diligência e lealdade. Tanto o art. 1.011, §1º, do Código Civil quanto o art. 153 da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976) determinam que o administrador deve empregar o cuidado e a diligência que “todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.
A partir dessa diretriz, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o administrador assume obrigação de meio, e não de resultado, respondendo apenas pelos prejuízos decorrentes de culpa ou dolo. No REsp 1.349.233/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, a Corte reconheceu expressamente que “por atos praticados nos limites dos poderes estatutários, o administrador assume uma responsabilidade de meio e não de resultado”. O voto acrescenta que o juiz pode excluir a responsabilidade do administrador quando convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia, conforme o art. 159, §6º, da LSA.
Trata-se de importante marco interpretativo: o STJ reafirmou que o administrador não responde pelo insucesso da decisão empresarial, mas pela violação de seus deveres de diligência e lealdade.
Essa orientação aproxima o direito brasileiro do paradigma da business judgment rule, consagrado no direito societário norte-americano, segundo o qual o Poder Judiciário não deve reavaliar o mérito de decisões de negócio quando demonstrado que foram tomadas de boa-fé, com base em informações razoáveis e sem conflito de interesses.
3. A business judgment rule e a proteção ao gestor diligente
A business judgment rule opera como uma presunção de legitimidade da conduta do administrador. Ela não impede a responsabilização em caso de fraude, má-fé ou negligência grave, mas protege o gestor que, munido de informações adequadas e agindo em conformidade com o interesse social, toma decisões de risco que posteriormente se mostram desfavoráveis.
O REsp 1.101.728/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, reforça essa compreensão ao afirmar que a responsabilização do administrador exige prova de ato irregular ou ilícito praticado no exercício da gestão, afastando a ideia de culpa presumida.
Dessa forma, o STJ estabelece um padrão racional de controle judicial da atividade empresarial, preservando o espaço legítimo da iniciativa e da autonomia negocial.
4. Responsabilidade dos sócios e abuso da personalidade jurídica
Em relação aos sócios, o art. 1.052 do Código Civil assegura a limitação da responsabilidade ao valor das quotas subscritas. Todavia, essa limitação cede diante do abuso da personalidade jurídica, quando comprovados desvio de finalidade ou confusão patrimonial, conforme o art. 50 do mesmo diploma.
A jurisprudência do STJ tem reiterado o caráter excepcional e probatório da desconsideração. No AgInt no AREsp 1.263.240/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, a Corte reafirmou que “a mera inexistência de bens em nome da pessoa jurídica não autoriza, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica”, sendo indispensável demonstrar o abuso de forma concreta. Essa decisão consolidou a orientação de que a insolvência não se confunde com fraude, e que a desconsideração não pode ser utilizada como atalho para alcançar o patrimônio de sócios ou administradores sem base fática comprovada.
No campo tributário, o art. 135, III, do Código Tributário Nacional e a Súmula 435/STJ fixam que o redirecionamento da execução fiscal só é admissível diante de atos ilícitos — como a dissolução irregular da empresa —, e não pela mera inadimplência do tributo.
5. Governança e blindagem legítima
A fronteira entre responsabilidade e autonomia é definida pelo comportamento do gestor. A adoção de práticas de governança corporativa e compliance societário representa não apenas uma estratégia de gestão, mas um elemento probatório de boa-fé e diligência.
Entre as medidas de maior relevância estão:
- Formalização e arquivamento das deliberações relevantes e pareceres técnicos que fundamentam as decisões;
- Segregação efetiva entre patrimônios pessoal e empresarial;
- Adoção de controles internos e políticas de integridade e conflito de interesses;
- Contratação de seguro D&O (Directors and Officers) para mitigação de riscos;
- Acompanhamento jurídico permanente das operações e deliberações societárias.
Essas práticas não afastam a responsabilidade civil, mas comprovam a diligência exigida por lei, funcionando como verdadeiro escudo jurídico e reputacional.
6. Conclusão
O direito societário contemporâneo exige uma visão equilibrada da responsabilidade dos administradores e sócios. A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça vem consolidando um modelo que protege o gestor diligente, sem permitir que a personalidade jurídica se converta em instrumento de fraude.
A responsabilidade é subjetiva, não automática: o administrador responde por culpa, dolo ou violação dos deveres fiduciários — não pelo simples insucesso da atividade empresarial. A verdadeira blindagem não está em estruturas artificiais, mas em gestão técnica, ética e documentada.
Em última análise, o administrador não responde por não acertar; responde, sim, por não agir corretamente. E é nesse ponto — entre o dever e a confiança — que o Direito encontra a gestão.