A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.873.739/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, fixou entendimento relevante para a sistemática do cumprimento de sentença: o depósito espontâneo e parcial realizado pelo devedor não afasta a incidência da multa de 10% e dos honorários de sucumbência previstos no art. 526, §2º, do Código de Processo Civil, ainda que a diferença seja posteriormente complementada.
O caso analisado envolveu uma situação de execução invertida, modalidade em que o próprio devedor, antes de qualquer provocação do credor, dá início ao cumprimento de sentença. Trata-se de mecanismo que, à primeira vista, demonstra uma conduta colaborativa e de boa-fé processual, permitindo ao devedor antecipar-se à execução e demonstrar intenção de adimplir. No entanto, a controvérsia surgiu em razão da insuficiência do depósito inicial e da subsequente discussão acerca da incidência das penalidades legais sobre o valor remanescente.
Na origem, o devedor efetuou depósito espontâneo, acreditando ter quitado integralmente a condenação. A credora, ao conferir os valores, constatou diferença e promoveu o cumprimento de sentença para cobrança do saldo, já acrescido da multa e dos honorários previstos no art. 526, §2º, do CPC. O Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a incidência das penalidades, reconhecendo que o pagamento antecipado demonstrava boa-fé e deveria isentar o devedor dos acréscimos. O recurso especial foi interposto pela parte credora.
A Ministra Nancy Andrighi, cujo voto prevaleceu no colegiado, apresentou uma análise minuciosa da natureza da execução invertida e dos princípios que regem o cumprimento de sentença. A ministra destacou que, embora o procedimento seja moralmente aceitável e compatível com a boa-fé processual, ele não afasta o dever de integralidade do pagamento, nem impede a incidência das sanções legais quando o depósito é insuficiente.
Segundo a ministra, o art. 526 do CPC disciplina o cumprimento de sentença por iniciativa do devedor e prevê expressamente que, constatada a insuficiência do depósito, o juiz deve determinar o prosseguimento da execução com multa e honorários de 10% sobre a diferença apurada. A norma tem caráter coercitivo, voltado a garantir a efetividade do cumprimento e a impedir que o devedor, sob o pretexto de cooperação, utilize o procedimento como forma de postergar o adimplemento da obrigação.
A Terceira Turma reconheceu que a execução invertida não confere presunção absoluta de boa-fé.
Pelo contrário, em determinadas circunstâncias, pode ser utilizada como estratégia para ganhar tempo e retardar o cumprimento da obrigação, uma vez que o depósito parcial impede a imediata execução pelo credor até que se processe a impugnação e se verifique a suficiência do valor ofertado. Durante esse período, o devedor evita os efeitos típicos do inadimplemento, como os juros de mora e a atualização do saldo principal, beneficiando-se indevidamente de sua própria omissão.
Além disso, a ministra observou que admitir a complementação do depósito sem qualquer penalidade importaria em tratamento desigual entre as partes, já que, em execução direta, o credor fica sujeito às sanções do art. 523, §1º, do CPC, em caso de excesso de execução. Permitir que o devedor corrija o depósito de forma fracionada e sem ônus significaria violar o princípio da adstrição e esvaziar o caráter coercitivo das normas executivas.
O voto condutor também afastou a aplicação analógica do art. 545 do CPC — que, nas ações de consignação em pagamento, autoriza a complementação do depósito sem penalidade —, ressaltando que a execução invertida e a consignação são institutos distintos. Enquanto a consignação pressupõe a recusa injustificada do credor em receber a prestação, a execução invertida parte da iniciativa do devedor condenado, que deve cumprir integralmente o título judicial, sem benefício de mitigação das consequências legais de seu erro de cálculo.
Com esse entendimento, o STJ consolidou uma orientação de grande relevância prática: o cumprimento de sentença por iniciativa do devedor não constitui zona de imunidade às sanções legais. A boa-fé processual deve se manifestar na exatidão do cumprimento, não na mera iniciativa formal de depósito. O devedor que pretende liberar-se da obrigação deve agir com diligência e precisão, sob pena de incidir nas penalidades previstas em lei.
O acórdão reforça a natureza coercitiva e instrumental da multa e dos honorários previstos no art. 526, §2º, do CPC, os quais não se destinam a punir o devedor pela iniciativa espontânea, mas sim a garantir o equilíbrio processual, a efetividade da execução e a igualdade de tratamento entre as partes.
Ao fim, prevaleceu a compreensão de que o sistema processual não pode estimular condutas que, embora aparentemente colaborativas, possam desvirtuar a finalidade do processo executivo e comprometer a entrega tempestiva do bem da vida reconhecido pela decisão judicial.
Referência: STJ, REsp 1.873.739/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 2025.